Friday, July 27, 2007

Ele tava era cagado de medo da mulher. Quando ela visse o dedo adelar sem a aliança que ele acabara de perder entrando no ônibus, briga ia ter. Adelar, explico, porque quando ele dava aulas de violão à turminha da pré-escola e tentando ensinar como usar os dedinhos e seus respectivos nomes falava “esse é o anelar”, a turma em coro respondia: esse é o adelar. De tanto insistir de que o correto era anelar ele se cansou, e as crianças, sem o menor esforço, ensinaram a ele que era o dedo Adelar, e o dedo passou a ser um personagem. Adelar, que era seu nome casualmente, perdera a aliança quando na hora de tirar os passes do bolso, num movimento brusco, deixou que ela escapasse do dedo, da mão, caísse no chão e rolasse por debaixo da porta do ônibus. Adelar perdera a aliança e vai perder o pescoço. Ninguém perde aliança, pensava. Tapado! Só se perde uma aliança quando se vai num motel com a amante e se tira para não ter brigas e logo depois se recoloca pelo mesmo motivo. Então, agora sabia, era um tapado. O pior de tudo é que perdera a aliança e não traíra a mulher, realmente era um tapado. Se ao menos... se ao menos nada. Começou a pensar na desculpa que daria a ela, na cara feia que ela faria, nas mãos delas o esgoelando, nas roupas atiradas pelas janelas, porque claro, só quem trai perde aliança e nada do que ele lhe dissesse a faria mudar de idéia. Traidor, supostamente; tapado, de fato. Ela era uma corna em potencial. Antes de entrar em casa pensou numas desculpas, numas justificativas, nuns golpes marciais, nuns presentes, nuns discursos, e foi. Ela lavava suas cuecas (as dele, óbvio, perdoem-me a ambigüidade) e não poderia existir cena mais terna e feminina que aquela: uma mulher doce e de corpo formoso, um bigodinho meigo beirava os lábios, umas curvas exageradas por todo o corpo, sobre tudo na bunda, os pés calejadinhos e ternamente salpicados de frieiras. Os cabelos deliciosamente sarobas. Então se encheu de coragem e disse: preciso te falar uma coisa, mas acredita em mim. Ela não se perturbou e impassível disse a ele: fale meu amor, eu te amo e acredito em ti sempre. Ele teve a certeza de que ela falaria qualquer coisa do tipo pela última vez tamanha era sua cafajestice, mesmo que não houvesse traído, perder a aliança é equivalente: só desalmados perdem objeto tão relevante na saúde de um casal. Ele não perdera a aliança pra traí-la, mas com certeza qualquer pessoa no mundo jamais perdera a aliança que não por esse motivo, disso estava certo. Então ela disse: diga que eu tenho que te dizer também. Aí ele se encheu de coragem e disse: perdi a aliança. Junto com ela, que disse a mesma coisa.

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