
Versos
Situação um:
........Na biblioteca, enquanto nada faço, uma criança irrompe, trigueira, à frente de sua mãe e corre à estante dos gibis. A criança, como entendo, deve ter uns 14 ou quinze anos. Criança, sem embargo. A mãe escolhe os livros enquanto a criança, um menino, folheia os gibis da dentuça Mônica e do Caipira Chico Bento, estes gibis cujas últimas tiras, de três quadrinhos apenas, eu adoro ler. A criança não lê nenhuma historinha completa, antecipa a história numa criação mais própria do que alheia apenas incitada pelas expressões bem desenhadas dos quadrinhos e um ou dois diálogos dos seus qualificados roteiristas. Parece muito divertir-se. Nisto a mãe vinha e ia, às estantes de literatura de língua inglesa, numa feição seriíssima e de cuja face pendia, na ponta do nariz, sem fazer filtro aos olhos, os óculos de grau, conferindo-lhe um ar tão de sapiência quanto de arrogância. A mãe escolheu os livros, eram dois, e veio a mim:
- Vou levar estes dois – virou-se para a criança dos gibis e disse – e tu, ô guri, não tem mais idade de ler gibi, tem é que pegar coisa boa, vai ler literatura, vai estimular este teu célebro, depois não entende nada de nada da vida, como teu pai; ler desenvolve. – Disse ela, desenvolta.
Com a reprimenda o guri veio também, gibis em mãos e dizendo:
- Quero levar, mãe. – A mãe fez cara de desaprovação, contrariada empurra com os olhos os dois gibis do guri.
- Leva isso também, disse.
Junto então aos dois livros da mãe, A Bruxa de Porto Belo – do celebrado autor Paulo Coelho -, e Preces Atendidas – da consagrada escritora estadunidense Daniele Steel-, eu passo para o sistema os dois gibis, da Mônica e do Chico Bento.
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Situação dois:
........Na biblioteca, enquanto nada faço, uma criança irrompe, trigueira, à frente de sua mãe e corre à estante dos gibis. A criança, como entendo, deve ter uns 14 ou quinze anos. Criança, sem embargo. A mãe escolhe os livros enquanto a criança, um menino, folheia os gibis da dentuça Mônica e do Caipira Chico Bento, estes gibis cujas últimas tiras, de três quadrinhos apenas, eu adoro ler. A criança não lê nenhuma historinha completa, antecipa a história numa criação mais própria do que alheia apenas incitada pelas expressões bem desenhadas dos quadrinhos e um ou dois diálogos dos seus qualificados roteiristas. Parece muito divertir-se. Nisto a mãe vinha e ia, às estantes de literatura de língua inglesa, numa feição seriíssima e de cuja face pendia, na ponta do nariz, sem fazer filtro aos olhos, os óculos de grau, conferindo-lhe um ar tão de sapiência quanto de arrogância. A mãe escolheu os livros, eram dois, e veio a mim:
- Vou levar estes dois – virou-se para a criança dos gibis e disse – e tu, ô guri, não tem mais idade de ler gibi, tem é que pegar coisa boa, vai ler literatura, vai estimular este teu célebro, depois não entende nada de nada da vida, como teu pai; ler desenvolve. – Disse ela, desenvolta.
Com a reprimenda o guri veio também, gibis em mãos e dizendo:
- Quero levar, mãe. – A mãe fez cara de desaprovação, contrariada empurra com os olhos os dois gibis do guri.
- Leva isso também, disse.
Junto então aos dois livros da mãe, A Bruxa de Porto Belo – do celebrado autor Paulo Coelho -, e Preces Atendidas – da consagrada escritora estadunidense Daniele Steel-, eu passo para o sistema os dois gibis, da Mônica e do Chico Bento.
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Situação dois:
.........Numa biblioteca, enquanto nada faz, um atendente percebe entrar um filho e sua mãe, sendo que a criança entra na frente, agitada, e se põe a folhear os gibis duma conhecia personagem dos quadrinhos, dentuça e gordinha que era. Sua mãe está às estantes de literatura adulta, compenetrada no garimpo de bons títulos, julga. O atendente, de má vontade, incomoda-se de ver mais uma mulher pegar os livros de Daniele Steel, que nunca param na estante, e Paulo Coelho, que nunca param na biblioteca devido aos furtos, e que ele constata ser uma senhora constituinte daquela parcela de velhas pretensiosas responsável pelo alta tiragem dos livros de auto-ajuda, best-sellers estrangeiros e, por conseguinte, motivo direto da aquisição, por parte da diretoria da biblioteca, de mais de cento e cinqüenta livros que ele não considera literatura e que não pensa em ler jamais – espíritas, inclusive. Vê a mãe repreendendo o filho pela leitura fútil de gibis e pensa nela como a um carroceiro ignorante montado num cavalo fraco a dar chicotadas ferozes no animal débil que, à medida dos açoites, diminui o quanto pode seu ritmo de trabalho, desnutrido que está. Inclusive a criança é bem magrinha, repara num acesso de humor negro. Cento e cinqüenta livros que tomaram o lugar da moderna literatura em língua portuguesa, da poesia simbolista, da grandiosa literatura latino-americana capitaneada por Borges, Cortázar e Garcia Márquez, dos clássicos Russos, do romance psicológico, da prosa frenética de Ítalo Calvino, todos títulos que bem poderiam ter vindo à biblioteca caso constatassem uma tiragem ou pedições destes.
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Situação três:
........Um guri entra numa biblioteca correndo, logo atrás vem sua mãe e direto encaminha-se para a seção dos gibis. A mãe vai às estantes mais sérias, ler literatura de gente grande enquanto constata, insatisfeita, o filho duns quinze anos lendo a Turma da Mônica. Lavoura, a mãe, nos livros de Daniele Steel e Paulo Coelho, decide quais, passa no atendente que até então observara mau-humorado a mãe nas estantes de literatura estadunidense e seu filho bagunçando os gibis. Os três se deparam entre si, a mãe censurando o filho e o atendente censurando o mãe. Tudo veladamente. Veladamente também alguém poderia ter observado que a mãe apenas lê Daniele Steel e Paulo Coelho, exclusive uns poucos romances espíritas; que o atendente embravecia pela falta da boa literatura que até então ele só conhecera pelos jornais e periódicos que te podem converter num pseudoversado em potencial – salvo dois ou três livros comentados que ele lera um dia; que o guri não tinha preocupações existências, artísticas e sequer nutricionais.
Situação três:
........Um guri entra numa biblioteca correndo, logo atrás vem sua mãe e direto encaminha-se para a seção dos gibis. A mãe vai às estantes mais sérias, ler literatura de gente grande enquanto constata, insatisfeita, o filho duns quinze anos lendo a Turma da Mônica. Lavoura, a mãe, nos livros de Daniele Steel e Paulo Coelho, decide quais, passa no atendente que até então observara mau-humorado a mãe nas estantes de literatura estadunidense e seu filho bagunçando os gibis. Os três se deparam entre si, a mãe censurando o filho e o atendente censurando o mãe. Tudo veladamente. Veladamente também alguém poderia ter observado que a mãe apenas lê Daniele Steel e Paulo Coelho, exclusive uns poucos romances espíritas; que o atendente embravecia pela falta da boa literatura que até então ele só conhecera pelos jornais e periódicos que te podem converter num pseudoversado em potencial – salvo dois ou três livros comentados que ele lera um dia; que o guri não tinha preocupações existências, artísticas e sequer nutricionais.
4 Comments:
Gostaria de compartilhar com você sete contos minúsculos que tenho sobre bilbiotecas hehehe. Que tem tudo a ver com estes.
nossa, um comentário, que inusual!
Leonardo, se existes, te apresenta!
vou gostar de ler os contos.
abraço.
Existo =D temos como posso enviá-los?
kaue2288@hotmail.com
só enviar, adicionar no msn, sei lá.
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