do manicômio...
Eu posso abrir a janela do meu quarto e num sol farto me faltar de ti. Posso deixar a janela fechada fingir que durmo sem rima sem rumo sem fumo sem fome sem homem sem nem acordar nem dormir. O calor me lembra a praia e a areia pisada e o sulcos os vincos na testa que tinhas no verão, e me lembro do peixe do cheiro e de nós abrirmos e prepararmos todo ele como se fosse um exercício de amor. O peixe me lembra a semana santa em que puta eu poderia ter sido tua carne e tanta, caso teu trabalho não te chamasse como se tu fosses a um ofício do amor. A semana santa me lembra tua mãe velha quando implicava comigo com meu piercing no umbigo e argolas na orelha e dizia que eu não era menina de se casar e tu rias e me abraçavas e protegias e tua mãe caía numa tristeza que não tinha explicação pensando talvez ‘meu menino meu hino de louvação aos céus, onde se perdeu, deus queira que tome jeito que pague direito que perca o vício’ como se fizesse um suplício de amor; e tua mãe foi a única que lembrou de mim na páscoa. A páscoa me recorda o asco que tive de chocolates quando soube aquela noite que ao invés de vir pra casa foste fazer arte com gurias mais novas e de bundas enormes e teus vermes saltavam depois na cama e em coma eu te cuidava e enxugava o suor de tua testa cava e todos os chocolates vomitavas como se fosse um feitiço de amor. Mas os chocolates me rememoram o aniversário primeiro de namoro em que fomos para Espanha tamanha nossa vontade de fugir e de lá sem preguiça corremos França, Itália, Suíça onde conhecemos um casal de brasileiros e mantemos contacto e até pacto que seriam padrinhos de casamento logo mais. O casal me lembra a lamúria e a fúria que tive dois anos depois quando eles se separaram e pensávamos na incúria e que aquele não seria um destino pra nós. Quando falo ‘nós’ recordo os trocadilhos e poemas que fazias e as maisenas pro mingau e me servias na cama e me davas na boca e eu dizia ‘miau sou tua gatinha sou tua rainha minha vida é tua e tua vida é minha’ acreditando burra que gostavas dessas frases que eu imaginava de efeito pelo sorriso sem graça sem jeito que me davas de quem estudava literatura. A literatura me lembra de novo teus poemas e trocadilhos que gostavas de chamar ‘meus filhos’ e dizias que toda criação poética tinha vida própria, e daquele poema barato que tu, vivo, falava em ‘nós’ como se fossem ‘laços’ e no final se descobria que era nós pronome não nós substantivo. A poesia me lembra a carta de amor que descobri na tua carteira quando bisbilhoteira e curiosa não agüentei meus ciúmes e no cume da insanidade te arranhei o rosto e disse que posto pra fora de casa estava, como se fosse um edito de amor. A carta de amor me lembra as cartas que me mandavas antes de me conquistar e eu me fingia de recatada desinteressada de quem não queria nada e tu corrias atrás de mim pelos bares da cidade fingindo coincidências e arrumando desculpas e reticências ocas para sentar perto de minha mesa e fazer surpresas de rosas e palavras bonitas nos guardanapos de papel com que cruelmente eu limpava a boca e tu acabrunhado olhava outras moças. Este olhar despretensioso sobre as moças me lembra o mirar vidrado que dispensavas sobre as mulheres nas festas dançantes quando nós amantes já nos perdíamos em brigas e intrigas e tuas troças quanto às minhas desconfianças dizendo ‘meu amor só tenho olhos pra ti, vem cá me dá um beijo’ e roçavas a barba por fazer no meu pescoço e me pegava o dorso com teus braços de estivador me jogava longe me batia me chamava de cadela vagaba vadia bandida me fazia morrer e me fazia crer, eu era mulher de tua vida. Me chamar por alcunhas me lembrava as unhas minhas cravadas nas tuas costas nestes momentos e o tormento de gozar em cima de ti cinco vezes seguidas, cinco! e te ouvir dizer ‘ contigo de gozar eu brinco ’ e ‘ finco ‘ falo fazendo folia e em cada movimento de morte que me davas eu renascia. Estes momentos me fazem lembrar os meses em que as vezes ficavas longe de casa e tuas asas batiam em outros ninhos, então os vizinhos vindos lindos todos de olhos em mim batiam à porta me convidavam pra sair e sorrir, eu me fingia de morta esse assédio era um tédio moléstia e o remédio era do alto do prédio eu ver teu carro chegar, e quando chegaste teu astro e tua haste eram redenção enfim, há dois meses sem sexo me jogava enlouquecida em teu colo e perplexo se dizia cansado, entorpecida eu não escutava e clamava teus cuidados pra mim, assim tu forçado me pegavas com força virava de lado fazia sem viço o serviço de casado e no momento glorioso do gozo me chamavas de Luiza, eu não podia fazer nada eu dissimulava e burra e brava e doida eu me molhava toda no pranto e no encanto de sentir o teu corpo e ouvir torpe a tua voz chamar outra mulher sem querer, mas eu seguia crente porque somente teu calor e ferrugem meu causavam vertigem, apenas em teus braços me sentiria virgem e apenas teu cansaço me matava de amor.
8 Comments:
Você liga uma coisa na outra de um jeito íncrivel
que coisa mas incrível esse texto, fascinante, de chorar. de deixar amando...
Lindo, Cauê.
não há no mundo gente como tu assim, com tanta bonzices do ser.
escreve cada dia melhor, poeta.
te amo.
adorei o texto, sensibilissimo.
nao tem como nao te elogiar.
Tou de boca abertam doido pra chorar...
me assusta de mais essa maravilha. Decorou? agora declame pelas ruas...
poeta, te quero muito bem.
saudades, meu orgulho de filho.
Li em voz sussurrada
pra nao acordar quem dormia.
Mas teu texto sozinho
tratou de acordar algo em mim.
Muito obrigada pela visita.
Ela me rendeu uma em resposta e, por consequencia, a vivencia da tua poesia!
Clauê, vai ganhar dinheiro vendendo letras e eu vou dizer toda leiga que já dormi contigo pra todo o mundo e que qualquer verso teu um dia já foi meu ou é ou será e de sonho que me foi vosmicê poesia me fez, nasci então escrita por aí em qualquer papel não importa por que de amor sou feita e de amor é tudo aquilo que você toca.
te amamos muito.
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