Thursday, August 09, 2007

Na biblioteca

- Oi, tudo bem? Olha só velho, assim... minha mãe tava doente desde a semana passada, acabou indo pro hospital agora tá lá ainda e eu não pude entregar os livros antes, será que não tem um desconto?
- Os livros eram pra quatro semanas atrás.
- Ah, sim! mas é que antes da mãe eu quem tava doente aí ela ficou cuidando de mim e não teve tempo de entregar, tu vê né cara... é muito azar.
- É, muito azar.
- Tá, mas será que não rola um desconto assim, na manha velho, não falo pra ninguém... tenta entender a minha situação né, mãe é uma coisa sagrada.
- A minha mãe não é uma coisa, mas é sagrada.
- Isso, isso, minha também não é sagrada.
- A minha é.
- Ops, quis dizer que a minha mãe também não é uma coisa.
- Acredito em ti.
- Sim eu sei, ela tava doente mesmo.
- Eu falei que acredito em ti quando disseste que a mãe é sagrada.
- Pois é, mas então não rola um desconto?
- Sim, rola, posso reduzir a multa pela metade.
- Tá daí fica quanto, a multa é cinquenta, né?
- Sim.
- Então, fica quanto?
- A metade de cinquenta.
- Beleza! Quanto dá?
- A metade de cinquenta, não sabe?
- Sei sim...feito meu velho, e quanto eu te pago?
- A metade de cinquenta! Vinte e cinco!
- Mas como assim?
- Mas como assim o quê?
- Não era a metade de cinquenta?
- Sim, a metade de cinquenta é vinte e cinco.
- Mas é muita grana velho eu não tenho dinheiro.

Nesse momento toca o celular dele. Um celular do preço do lugar onde moro (prefiro não chamar de casa).

- Alô? Mãin?

Nesse momento eu faço cara feira. Ele não nota que eu tentei fazer cara feia, ele já se acostumou com a feiúra. No momento seguinte então, eu bato a perninha. Acho que ele percebe.

- Ã, Mãe...mãe, Mãinara, minha amiga, tudo bem? Tudo bem, já comprei o guizado sim, Mãinara. Tá blá blá blá... Tou indo, beijo. A Mãinara, uma amiga minha, combinando uma janta hoje à noite.
- Eu adoro janta com guizadinho. (Isso foi uma ironia, gente!)
- Ah, pois é, a grana tá pouca... por isso que preciso dum descontinho aí, meu bruxo.
- Tudo bem, eu dou os vinte e cinco.
- Vinte e cinco por cento, mas não era a metade?
- Te dou os vinte e cinco como valor direto.
- Beleza, então, a metade de vinte e cinco, isso?
- Não, a metade de cinquenta, que é vinte e cinco.
- Mas não foi isso o que tu disse...
- Sim, foi isso sim, pode ler ali em cima, no começo do diálogo.
- Tá bem, vou pagar a multa. Mas não acho certo... devia ter um geito de a gente conversar...
- Mas nós conversamos, só não posso baixar mais o valor. E jeito é com jota.
- Ã?
- Jeito, a palavra jeito é com jota.
- Tá e daí?
- E daí que tu fala ela com gê.
- Como assim, como é que tu sabe? Eu sei que geito é com jota.
- Sabe nada, acabou de repeti-la com gê.
- Não, não, falei nela pensando como se fosse escrita com jota.
- Pensou não.
- Pensei sim, como tu sabe que não?
- Porque quem tá escrevendo a história sou eu.
- Como assim? Tu tá louco, isso não é uma história...
- É um diálogo.
- E daí?
- E daí que veio da minha cabeça se eu quiser eu imagino que um grupo de duendes te seqüestra e te leva embora daqui.
- Bêbado, só pode ser, vou falar com tua chefe, vou reclamar do teu atendimento.
- Não. Não vai, não.
- Ah é, quer ver?
- Quero! Quem manda aqui sou eu!
- Na biblioteca?
-Não. Na história, se bem que...
- Tu é doido, tu tá falando sério? Tu tá variando, meu velho. Vai te tratar.
- Tou não. Lá vem os duendes...
- Chega! Vou lá reclamar.

Nesse momento ele sai furioso de dentro da biblioteca. Mas no momento seguinte um grupo de duendes rende ele no corredor, joga no chão amordaça-o e o leva embora.

3 Comments:

Blogger Felipe Martini said...

bravíssimo!!!

9:34 PM  
Blogger Cuevas said...

autores comandam

Cauê também.

10:09 AM  
Blogger Diandra said...

eu gostei muito.

acho que mais do que qualquer um.

7:30 PM  

Post a Comment

<< Home