Tuesday, May 29, 2007

à minha mulher

Eu porto a saudade de alguns nomes
Dos quais o parto arrefeceu
Perto dos vãos meus abdomes
Partiam uns; e o peito meu
Por tantas vezes quem não se consome
Aparta a sede de aportar no céu
Protela a pressa de ostentar prenome:
Premiado - amado - anjinho - meu
Em não vos perto estar:
- É como sem meu ar,
É como se em febre -
Um porto em que partiste
Um pouco porto triste
Um porto pouco alegre.

boneca-russa

Nesta manhã eu acordo
E nesta manhã eu me durmo
Sem saber que no meu sono
O meu sonho é mais profundo
Atravessa a sonolência
Volta para a realidade
Dorme outra vez na crença
De que o sono é bem verdade -
Eis que eu sonho que eu sonho
Acordo do sonho segundo
Para o sonho e me proponho
Que eu acorde mais fecundo
No sonho primeiro ponho
Teu retrato e o teu mundo
No sonho segundo componho
Meu sonhar no teu percurso
Então vejo que tu sonhas
Em um sonho vagabundo
Que é dá cópia que vergonho
Do meu sonho mais rotundo
Donde tu vens a cantar
Que sonhaste com futuro
Um futuro desposado
Pelo sonhador agudo
Que me sou e por quem sou
Dono todo deste agruro
Vida besta, e enfadonho
Tal sono-sonhar ambíguo
Que é sonhar que eu te sonho

E que tu sonhas comigo.

Fomança

Mãe eu tô com fome
eu dizia eu gritava eu mugia
minha vó zangada respondia
você não está morrendo e nem tem fome
Você tem é apetite
Você sabe que vai comer, aonde comer, o quê vai comer.
Fome não! A fome, minha neta,
a fome, meu irmão,
a fome, minha criança,
é um apetite sem esperança.
Quando há certeza de cereais, toalhas americanas,
guardanapos e alegrias da coca-colândia
não há fome de verdade.
Minha vó já dizia pra mim um futuro de Brasil.
Minha vó nem viu edifício crescer no lugar de pão
no lugar de trigo
nem viu criança com infância de semáforo
vendendo mariola barata, criança que mata
porque seu quintal tá sempre no vermelho
criança cujo ralado de joelho
dói menos do que o não morar, não existir, não contar
com a fome tenaz
Não há tenaz na escola
há só a cola de cheirar a dor doída
de um monstro estômago a roncar
um animal doído dentro do corpo a uivar
todo dia, sem boa vista, sem quinta zoológica onde morar
Com a fome das crianças brasileiras
forra-se a mesa, arma-se o banquete
dos que sempre tiveram apenas apetite.
A faminta criança foi apenas o álibi, o cardápio, o convite.
Desmamada ela cresce procurando o peito da pátria amada
uma banana, uma manga, uma feijoada
e a mãe pátria diz nada.
Tem ela apenas o horror, o descalor, a calçada
um ódio a todos os tênis dos meninos nutridos
um ódio a mochilas, a saudáveis barrigas
com contínuo furor de assaltar os relógios
um deter o tempo que é o seu verdadeiro balão
um cai-cai balão que só cai à mão armada.
A fome gera a cilada de uma pátria de não irmãos.
A gente podia ter gripe, asma, catapora, bronquite
A gente podia ter apetite mas fome não.
Minha vó bem que dizia sem errança:
fome é um apetite sem esperança
Eu sou um dono sem cão
às vezes não peço perdão
que mal tem? fazer um pecado
sonhado (mas sem namorado)
com alguém.
Quando no ônibus casa
que é como fosse quando acordar
e ver estranhos íntimos
num estranho seguro lugar

Escolho de sempre o assento
um mesmo ou um outro que se usa
sempre e mais tarde escolhido e sentado
o serviço do assento de puta

No bordel dos ônibus
os homens esfregam mãos, passam a perna
e as mulheres que ficam passadas
com as caras de homens de esperma

Há quando o ônibus é trabalho
Não daquele que conduz, daquele que cobra.
um tocador que toca sua vida ou um vendedor
que vende de dia e de noite rouba
Me diz Jáder que fazer
Para esquecer destas flores
Que um dia a ti catei
Que hoje me contam dores.

Há na sala uma moça bonita
Que está feia porque tu distante
Deixa sem som meu gemido
E todo prazer é labuta.

O ponteiro do relógio
Pinga as horas e espalha
Horas e gotas de saudade...
Na tua ausência naufrágio

Me diz Jáder que fazer
Transformar tempo no sempre
Não é medida sincera
Nem te congelar no presente

Onde viver avulsos
Como donos sem cães?
Hoje eu queria te pegar no colo
Sem relógio e, fada,
te levar ao quarto
e contar história de amor
te fazer dor e te fazer dormir
e dormir contigo a história contada

e no meu sono eu sonhava que acordava
e escovavas os dentes
deixando indícios de tua ida
via raspando na pedra-pomes
farelos de pele e, na mesa,
farelos de amor e comida
falares de partida para quem ouvia
desesperado desperto
do sonho do sono e tu dormes.
Se me chama de monstro/ eu te mostro/ monto em cima de ti/ tu ri do que faço/ não sou monstro/ sou palhaço.