Thursday, December 13, 2007

- Por que mesmo nós estamos fazendo isso?
- Precisamos de amor. Talvez seja isso.
- É, talvez seja.
- Sim.
- Talvez.
E eles se beijam longamente. Sem nenhuma paixão.

Wednesday, December 12, 2007

Filho de Peixe
.....Eu tinha viagem marcada para mais tarde, à Punta Del Leste, mais duas semanas longe dele, pensando às vezes que iria me esquecer e querer apenas à sua mãe, num ciúmes ridículo mas que eu sempre achei saudável. Todo o escritor tem disso, será que ele também ia escrever quando crescesse? Não me parecia tão esperto quanto eu na sua idade; era distraído e ingênuo, o meu filho. Adorava quando ele sentava à minha frente e dizia que ia trabalhar, evidentemente tendo minha profissão como referência. Tu vai viajar pra praia, pai?, eu queria ver o mar. Aquilo bem poderia ser motivo de meu abandono de emprego, tão apaixonado ele me deixava. Filho, o pai vai, mas volta, dessa vez não vou demorar,vou trazer conchinhas da praia, tá bem? Filho, eu te amo!. Ele me olhou sério, disse que ia me escrever – parou. Mar e amor combinam, pai?. Entendi a semântica sua e respondi: Mar e amor podem rimar, meu filho. Ele não ouviu direito e continuou com o lápis e o papel na mão, brancos os dois, meu filho e o papel, à espera de alguma idéia do lápis. Amor também rima com mar, pai? Rima com amar, amor e mar... sim, até com ar e lugar, o mar pode rimar. Isso mesmo, meu filho, tudo rima, e só a gente querer. Pegou no lápis como se dissesse alguma coisa a este com os olhos, meio bravo, deitou a folha na mês e se pôs a escrever. Pai, eu sou um poeta, olha: ‘ meu pai é o amor e eu sou seu mar, de tanto amar ele virou uma flor que voa no ar e em qualquer lugar meu pai pode rimar’. E ele, sorrindo, combinou toda a minha história naquele momento, poeta que era e não sabia. Me viu chorar e ainda quis ficar triste, sem direito algum, seus cinco anos me valiam a vida.
.....O meu filho era artista.

Wednesday, December 05, 2007

Um cavalo marinho
.....Não gostaria de fazer clichê. Mas ele vinha, o negrinho sem roupa quase, com um cigarro na mão, cara de mau e na boca um dente que faltava. Feridas em tudo, pés descalços e barriga grande, magreza larga. Gingado, com um jeito de andar de quem conhece a vida, já amou, já bateu, sabe sorrir, já foi morto, não parava. Não me assustei, ele vinha – vento na cara, cabelo duro, olhos negros fundos. O vento é quem me botava um frio na barriga, o almoço raso, esta tremedeira das mãos; eu quieto. Vinha firme, fazendo que não, e mancava, não iria sorrir, as mãos não sacudiam, o corpo não precisava de equilíbrio, nem possuía; eu dançava os pés. Era com a idade no corpo, a dúvida escondida, bochechas lisas, testa cava e nariz de macaco, com maneira desses joões-ninguém, pelo chão de pedrinhas. Ia encostar sem turno, atrasado, perverso no vir; e eu já sem cor. Não, ele vinha pontual, metódico, me olhando e fazendo cálculos, sujo, com insetos pequenos voando em volta, fedendo mas eu nem sentia. Vinha: uva: champanhe. Parecia que estava sem arma, mas alma não tinha. Eu checava os bolsos, de cabeça, lembrando o quanto de dinheiro, esquecendo de manter a pose, ele não queria nem saber, continuava. Não queria correr, nem ele que eu corresse, nem ele apressar o momento, simplesmente e sossegado vinha. Os segundos são sempre segundos, e eu consegui criar calma, ânsia, medo, solidez nesse intervalo de um mijo. Eu me contive, mas me caguei. Pau, pedra, faca: eu era mau de briga, eu ia apanhar até morrer, até hoje, sou um corvade. Continuo a mesma massa gorda em carne podre por dentro e por fora que reclama do preço no açougue, o mesmo mesquinho que sabe chorar e se derreter com filmes e fotografias, que dá esmolas, que não escova os dentes, que não bate nem nos filhos que não teve, que aumenta as estórias. Ele andava sem pensar, mas com carinho por si, não era um robô, não era feio, não era bonito, por pouco não era, mas estava. Perto. Estava longe de mim, abaixo de mim, parasita de mim, vinha até mim depois de ter saído de mim; como funcionam as coisas!, e esmola, doação, caridade, agrado, presente, doce, carinho, beijo é tudo engodo, invenção do homem, mentira. Cheirava mal como eu pensava, agora que estava mais perto eu conseguia sentir, porém eu já tinha abandonado meu corpo, minha vontade, até o medo, se o tive. Virei o que era pela primeira vez quando ele chegou – eu não experimentei sensação alguma.
.......- Tu é meu pai, mesmo branco. Tu é meu irmão, mesmo gente. Tira esse cabelo, essa cor, essa roupa. Isto é um orfanato e aqui só entra órfão, não mocinhos. Se tu quer um beijo eu te dou, se tu quer um abraço eu te dou, negro de merda. Tu é branco, puto, negro de merda. Agora sai.
Saí.

Tuesday, December 04, 2007

O país ingênuo

.....A tristeza era tanta que os sorrisos passaram a ser pagos. Alguns funcionários do Estado, disfarçados, diluídos na multidão das cidades, observavam os poucos cidadãos sorridentes que passavam, e, discretamente, mandavam-nos parar. Apresentavam-se: Funcionários do Estado!, diziam, e pediam depois a identificação do sorridente. Registavam nome e morada. Ao fim do mês, os referidos cidadãos recebiam o cheque.
.....Durante o mês de fevereiro foi visto três vezes a sorrir na rua – estava escrito – com data e hora - no pequeno documento que acompanhava o dinheiro. A quantia dada por cada sorriso não era uma fortuna, mas digamos que ser visto pelo Estado a sorrir nove vezes durante um mês dava perfeitamente para viver sem choros.
.....Pois bem, em pouco tempo o clima emocional do país alterou-se por completo. Seja por avidez ou pela própria natureza das coisas o país em dois anos tornou-se conhecido pelo “permanente e impressionante otimismo dos seus cidadãos”, como se dizia numa agência de notícias internacional. Os subsídios do Estado aos sorrisos terminaram pouco tempo depois; mas como ninguém informou os cidadãos eles mantiveram aquele sorriso estúpido, repugnante, desadequado, inútil, sem razão de ser.