Friday, July 27, 2007


O álcool põe a criar todos os malcriados
o amargo é mais que amigo
um pai um irmão e uma amante

só que não tem saudade cortante
a gente mata ela num trago
e quem vive de saudade

de um só desses é apaixonado
e quem nostalgia pelo gole
é sem amor, viciado

A poesia eu te digo, amigo
é uma noite de bebedeira
sem amigos sem mulher

apenas a garrafa e eu
a gente se ama e se bebe
um do outro a noite inteira
Um apartamento inóspito no centro da cidade na tarde fria de inverno. Quando saiu deixou à janela as orquídeas para o banho de chuva; o pescoço batia no vidro úmido do ônibus à maneira das plantas ao vento. Não era sono era abandono. Entre o onírico e o real pensou que os contentes morrem sem a felicidade de sofrer, e sonhava que era feliz.
Quando eu passava pela praça arrastanto os tamancos a criança, que era uma guria, sempre me pedia trocados. Eu sempre dava, e foi assim. Até que um dia ela me pediu um beijo...
Quando nasceu, Catarina era o bebê mais lindo do mundo. Até chorando fazia bonito. Cresceu assim, e cada vez mais bonitizava. Enchia de gentes na volta da casa para ver, nem que fosse por um instante o rosto de Catarina, que é quando ela acordava e ia fechar a janela. Costume da família dormir com janela aberta e trancá-las no dia. Dizem que de tão bonita assustava; uns dois vizinhos ou três ficaram loucos, outro se matou, outro virou mulher, outro aprendeu a voar. Mas Catarina também amava, conta-se. Um dia quando passava roupa no quarto, sentiu um cheiro estranho e saiu à rua, numa das poucas vezes em que se soube, e não voltou mais. O mito é que o cheiro vinha de um mendigo muito feio e pobre que veio de longe após saber que naquela cidade se cultivava lírios. Aí Catarina, vendo o malcheiroso perguntou “ que tu quer aqui ? “, e ele respondeu que procurava pela flor mais bela dos arredores. Catarina não gostou da cantada e disse que sentia muito, estava cansada de investidas. O mendigo se levantou e disse que falar era coisa difícil, perguntou uma última vez se ela não sabia do paradeiro da flor, ela não entendeu o charme do mendigo. Ele se irritou e disse “ abobrinha ”... Pegou uma pá e começou a cavar – a terra fofinha era boa de se descansar em cima. Deitou, dormiu e quando acordou viu a moça, a Catarina, ainda do lado dele, em vigília. Disse “que tu quer aqui, filha do cão?” ela não respondeu, ele deu uma pazada na cabeça dela e foi atrás da flor.
Ele tava era cagado de medo da mulher. Quando ela visse o dedo adelar sem a aliança que ele acabara de perder entrando no ônibus, briga ia ter. Adelar, explico, porque quando ele dava aulas de violão à turminha da pré-escola e tentando ensinar como usar os dedinhos e seus respectivos nomes falava “esse é o anelar”, a turma em coro respondia: esse é o adelar. De tanto insistir de que o correto era anelar ele se cansou, e as crianças, sem o menor esforço, ensinaram a ele que era o dedo Adelar, e o dedo passou a ser um personagem. Adelar, que era seu nome casualmente, perdera a aliança quando na hora de tirar os passes do bolso, num movimento brusco, deixou que ela escapasse do dedo, da mão, caísse no chão e rolasse por debaixo da porta do ônibus. Adelar perdera a aliança e vai perder o pescoço. Ninguém perde aliança, pensava. Tapado! Só se perde uma aliança quando se vai num motel com a amante e se tira para não ter brigas e logo depois se recoloca pelo mesmo motivo. Então, agora sabia, era um tapado. O pior de tudo é que perdera a aliança e não traíra a mulher, realmente era um tapado. Se ao menos... se ao menos nada. Começou a pensar na desculpa que daria a ela, na cara feia que ela faria, nas mãos delas o esgoelando, nas roupas atiradas pelas janelas, porque claro, só quem trai perde aliança e nada do que ele lhe dissesse a faria mudar de idéia. Traidor, supostamente; tapado, de fato. Ela era uma corna em potencial. Antes de entrar em casa pensou numas desculpas, numas justificativas, nuns golpes marciais, nuns presentes, nuns discursos, e foi. Ela lavava suas cuecas (as dele, óbvio, perdoem-me a ambigüidade) e não poderia existir cena mais terna e feminina que aquela: uma mulher doce e de corpo formoso, um bigodinho meigo beirava os lábios, umas curvas exageradas por todo o corpo, sobre tudo na bunda, os pés calejadinhos e ternamente salpicados de frieiras. Os cabelos deliciosamente sarobas. Então se encheu de coragem e disse: preciso te falar uma coisa, mas acredita em mim. Ela não se perturbou e impassível disse a ele: fale meu amor, eu te amo e acredito em ti sempre. Ele teve a certeza de que ela falaria qualquer coisa do tipo pela última vez tamanha era sua cafajestice, mesmo que não houvesse traído, perder a aliança é equivalente: só desalmados perdem objeto tão relevante na saúde de um casal. Ele não perdera a aliança pra traí-la, mas com certeza qualquer pessoa no mundo jamais perdera a aliança que não por esse motivo, disso estava certo. Então ela disse: diga que eu tenho que te dizer também. Aí ele se encheu de coragem e disse: perdi a aliança. Junto com ela, que disse a mesma coisa.
Um dia um urso panda pariu um tamanduá, juro. O tamanduá era hispano-hablante e, adulto, trabalhou muito como encanador depois como professor de inglês, mas o tamanduá queria ser mesmo era presidente. Só que um presidente tem que ter passado fome, e o tamanduá a vida inteira teve tudo do bom e do melhor, morou numa cobertura e três carros na garagem tinha. O tamanduá era gordo, e isso o deixava tarado – queria comer todo mundo: galinha, piranha, vaca, cadela. Aí um dia resolveu se tratar mas começou a se prostituir, vendia o corpo e vendia matéria pro jornal, virou comunicador. Escrevia poeminhas ridículos e se achava bonito, era burro que dói e não sabia cozinhar, tinha comido duas fêmeas na vida e achava que eram mil. Ficava irritadinho com qualquer brincadeira e não sabia andar de ônibus. Se dizia comunista... Era corno mas feliz.

Friday, July 20, 2007

Quando o pichador era pego se festejava – comunista, desgraçado! E doía bastante, decerto. O capitão era um homem de jeito austero mas dum coração sem tamanho, se dizia. Tanto que quando o encontrou só lhe cortou dois dedos e quebrou doze dentes – os doze dentes, ao revés dos normalmente dez arrancados, foram considerados um requinte de crueldade. O capitão começava a se perder.

Thursday, July 19, 2007

Então ela comia com as mãos mas acima de tudo com o corpo todo. Não me respondia nem me escutava, eu sentia que minha presença se tornava desagradável e deixei-a sozinha desfrutar daquele banquete que era o cachorro-quente e o refrigerante. Senti nojo e arrependimento e pensei que como tentar mudar alguma coisa não me agradou nem um pouco e minha consciência e alguma coisa como consciência social não tinham tocado o alarme eu jamais faria aquilo de novo; e pensei também que a educação é um privilégio de poucos, muito poucos. De longe eu vi que continuava comendo o cachorro-quente mesmo depois de acabado e com a mesma vontade e satisfação, e o refrigerante sobrava em dois dedos de líquido que à revelia de sua gula restavam sempre. De longe vi também que ela não me via. Antes de ir embora também pensei em passar-lhe uma descompostura e ensinar-lhe bons modos e agradecimentos. De longe estávamos, ela e eu. De longe eu desejei que ela se afogasse e como esperasse isso por uns instantes, ainda observei a ferocidade animal de mulher ao lado daquele manso vira-latas. O último pedaço da salsicha do cachorro-quente o cachorro dela comeu. Troglodita, mendiga, vagabunda, escória, nojenta foram umas das duas ou vinte idéias que aquela criatura me suscitava. Quando tudo terminou, a comida, a vontade e minha raiva pela deseducação dela, aquela mulher veio até mim como se estivesse olhando a tempos a minha posição, e sem desvirtuar o caminho chegou e disse: tu me desculpa, visse, faz um tempo que não como, mas isso não importa porque comer pouco é bom, cada vez que a gente come quase se esqueceu como é o gosto e fica melhor ainda de comer. Brigado, visse, que deus te abençoe, se precisar de alguma coisa me diz, visse. Antes de partir pensei no que ela poderia me ajudar caso precisasse, sorri. Troglodita, mendigo, vagabundo, escória, nojento foram umas de centenas de idéias que aquela criatura me impingia. Senti nojo e arrependimento e pensei que como tentar mudar alguma coisa não me agradou nem um pouco e minha consciência e alguma coisa como consciência social não tinham tocado o alarme eu jamais faria aquilo de novo; e pensei também, de novo, que a educação é um privilégio de poucos, muito poucos. Assim eu chorei.