Friday, November 30, 2007

seja poesia, se prosa -
aí tu és um esgoto
cheirando a rosa.

Thursday, November 29, 2007

Idade dos Anjos
.....Esse ônibus parte tudo o coração parte de mim, porque parte de Porto Alegre. Eu também sou isto daqui – sou aquele pedaço interiorano e orgulhoso que veio de Alegrete com malas e cuias, mais malas que cuias é verdade por isso posso dizer que sou a maquete de Alegrete onde vá, mas eu também sou isto daqui carrego nos pulmões esta sujeira, tenho nos olhos as fotos 3x4 dos estúdios deste centro, e nos ouvidos ouço sempre o barulho do ônibus que me acorda quando a mãe vai trabalhar, o gritedo dos camelôs, sou camelo destes áridos. As bixas me dão cantadas é em porto-alegrês. Ela diz que amou Porto Alegre que é um caso de paixão e breve vem morar aqui; mas não, não faz assim, moça, eu namoro contigo, eu vivo junto de ti, te dou casa, comida e roupa lavada eu deixo de morar, de comer e de vestir por ti, guria, eu queria muito agora dizer o que tu quer ouvir, e crer que se eu te beijar vai ser bom e tu vai também mas eu não posso mais, guria, tu já vai embora e precisaria no mínimo dois dias de conversa hasta que eu encontrasse uma força porto-alegrense e te pegasse de jeito sem choramingos, sem jeito; olha! Vou ser tua Porto Alegre onde for, te acordarei com um beijo-pôr-do-sol onde estivermos. Nossa o ônibus vai sair, me dá outro abraço pra eu fingir que vou ter esta coragem, mas não me beija! Não cria esperanças aqui nesse coraçãozinho porto-alegrense tão teu que agora vai partir junto contigo, tu adorou me conhecer, então? E estas ruas, estas pombas desavergonhadas, estes prédios antigos e estes mendigos sorridentes? Ah, tu adorou estas fruteiras que não fecham de madrugada, guria? Tu adorou nosso sotaque? Tira essa lágrima do rosto sua vadia, meu amor, eu sei que não é por mim. Devolve tudo que tu levou, as impressões, essa erva-mate, o meu colar de índio, devolve porque esses pedaços que vão contigo são Porto Alegre e porto-me-alegro só contigo. Olha teu ônibus já vai, e tu já devia tirar esse sorriso choroso da cara, essa lágrima, esse sal e por nos olhos a minha foto, por na mão essa batidas aqui, ó, do lado esquerdo do peito, e ir esquecendo esse teu sotaque sem personalidade, guria, tu não é ninguém, tua terra não tem mar e tu não aprendeu a chorar, não gosto de pessoas medianas, e tu vem do meio, do palácio central, tu é centro e converge tudo aqui, tu é Brasil, meu amor, eu sou Brazil e venho de outro país querendo apreender tua língua.
O amor está em tudo, em todo instante
O amor esvazia, enche, transborda
O amor te deixa bela: feia: gorda
O amor não existe, morreu,
não existe, é irrelevante
morreu sem ter nascido
O amor renasce todo dia
é prematuro é um aborto
O amor é uma gestação da vida toda
é um parto eterno
O amor está mas não existe
O amor morreu e se velou
amor mata com carinho
amor faz nascer sem choro
o amor nasceu sorrindo
morreu chorando
o amor não está no quando
o amor não está no agora
o amor errou de olho
o amor ninguém enxerga
ninguém o sente
dói mais que tudo
o amor nos cega os olhos
o amor é diferente.

e quanto mais se ama, desconhece
e quanto menos se conhece, ama
sei disto, me fiz, e por quem sou

não é uma macumba, uma prece
não o grito esdrúxulo do que clama
que pena pela amada e nunca amou.

Wednesday, November 28, 2007

vem meu amor me abraça e esquece que tu me traiu me abraça e me beija como tu beijou outra me faz sentir tua outra vem meu amor me faz outra mulher e me esquece de ser vem meu amor sem querer e me ama como nunca meu amor me crava as unhas e deixa eu sentir tua paixão rasgar minhas pernas meu amor não vá embora vem me abraça me caça pelos esconderijos do teu apartamentozinho de um quarto e me fere meu amor me abrasa vem e me mata de ódio com tanto amor que me causas amor vem meu amo finge que não sou que não sei quem fui e que estou bonita meu amor grunhe em mim e solta teus fantasmas amor em mim vem meu amor eu me chamo maria joão adelaide alaúde violão se me tocar agora que nem àquela

Tuesday, November 27, 2007

A hepatite de toda criança
.......LEMBRO com gosto - o gosto que sentia à luz amarelada - de quando o pai morava comigo e chegava em casa à noite dizendo que vinha do trabalho cansado e por isso queria janta, queria carinho. Minha mãe sempre amarga, eu não sabia, sofria as dores de supostas traições; nunca foi uma boa cozinheira porém sempre fez a mesa - arroz, feijão e carne sempre havia. Com que dinheiro eu não sei, mas tinha e ela botava lá na mesa sem dar um pio, reprovando meu pai, muito braba. Ele comia e ela ia deitar.
.......A ira da mãe vinha, agora sei, das estórias que o pai contava a justificar os seus horários nunca fixos, eram viagens a trabalho, reuniões com os candidatos, plenárias, eleições internas do partido. Quem não é da política não pode namorar político, ela me dizia. No fundo ela sempre sabia a verdade, e sabe até hoje. Todo mundo trai a mãe. A mãe tem uma visão aguçada de tudo, um jeito de entender as coisas e ligar os fatos que me impressiona, uma esperteza quieta e talvez por isso o pai nunca tenha tido sossego com ela. A vida em casa era atribulada pelos dois que se consentiam mas não se precisavam - ela sabia de tudo, ele sabia que ela sabia, ela brigava com ele e ele mentia. Mas não podiam terminar porque tinham um filho.
.......Nessas vezes em que ele chegava tarde e um pouco bêbado, ela ia deitar resingada e não esperava por ele. A maneira horrível e linda de se vingar que ele tinha era então surgir com uma garrafa de vinho muito bom, me acordar fazendo carinho, beijando com a barba espetante e me golfando um bafo etílico. Eu acordava ressabiado, sem saber se era dia ou noite, via o pai bêbado e compreendia a cena que já era típica e então podia dar um abraço nele e um beijo na boca. No nosso apartameno quitinete, toda vez que se está num cômodo da casa se está em todos e em nenhum ao mesmo tempo, a gente dizia isso e ria pra fingir felicidade da pequenez do lugar, essa era a vingança do pai, a cortina que dividia o larzinho não escondia a luz amarela e na parte em que a mãe dormia ia bater também. Ela que sempre teve o sono levinho acordava e ouvia os carinhos do pai em mim, os beijos e as risadinhas nossas, imagino que devesse chorar. Ela que nunca soube ser carinhosa, nem ficar bêbada, nem dizer eu te amo.
.......Num último requinte de crueldade e sentimento, o pai ligava o rádio e punha os elepês do Belchior a rodar, todos que tinha. Aí é que deveria ser a morte pra mãe, que nunca gostou da voz fanha do cearense. Ela que nunca me cantou uma música, nem me acordou com um beijo, nem me espetou com a barba. Do nosso canto escutávamos os discos embriagados, o pai tanto do vinho quando do momento, e eu de sono. Bem no teto havia um quebra-luzes de madeira que repartia em mil quadradinhos a luz hepática do nosso cantinho, a mesma luz que até hoje, onde eu veja, me transporta para os braços do pai e me faz como sentir o seu cheiro de vinho, sua voz embargada, e precisar das músicas de Belchior como trilha. Teu infinito sou eu, cantávamos os três, de certo, sem saber.
.......O pai provavelmente pensando numa de sua gurias, querendo beijos delas; a mãe remoendo a ausência do pai, querendo beijos dele; eu que, amando o pai, desejava beijar a boca da mãe.

Thursday, November 22, 2007

Assombração
Deitada no chão duro da casa abandonada, mal-assombrada, da qual todo mundo conta estórias. Que estória vou contar? Essa? De como seu Ari, o padeiro, está deitado sobre mim com as calças arriadas, resfolegando e eu com as pernas arreganhadas, o vestido estampadinho levantado? E o Jorjão? O que eu vou contar pra ele? Hoje mesmo me despedi dele no portão de casa, Tchau, querido, ele se indo pra entregar a carga, mais de dez mil quilômetros de viagem pelas estradas sertão adentro. Ah, Jorjão, quando você chega vai logo tirando a minha roupa e dizendo Vem cá minha mulherzinha gostosa, vem tirar o atraso do teu homem. E eu sempre duvidando, afinal, quinze dias fora de casa, como é que o Jorjão não pegava mulher? Deixa eu ver, Jorjão, mostra se está crescidinho. Ah, Elvirinha sapeca, vou te dar ele todinho, vem cá, vem. Agora quem está me dando o todinho é o seu Ari, o desta estória mal-assombrada que eu não vou poder contar pra ninguém. Como vou explicar? Dizer que com o Jorjão só é bom nos três primeiros dias, logo que ele chega de viagem? E que depois sexo toda noite me cansa, fogão de dia, cama de noite, o Jorjão cheirando a cerveja, suor e alho, puro dever. Pensava que casamento era assim não. Lá em Quixeramobim, quando eu era noiva, o Jorjão era um doce. Presente pra cá, presente pra lá. Bombons, flores, uma lembrancinha de viagem, o corte de tecido estampadinho. Agora, presente mesmo, só o todinho nos três primeiros dias. Depois, Mulher, hoje quero comer jabá com gerimum! Mulher, vá comprar cerveja na venda do seu Tobias! Dona Elvira, vem cá vem cumprir teu dever de esposa! Ah, Jorjão, hoje estou cansada. Que é isso, mulher? Teu homem está aqui, tem cansaço não. Vamos logo, vai te deitando aí na cama. Me deitava, claro, não ia discutir com o Jorjão que nessas horas era quase um carrasco. Deita, eu deito; abre as pernas, eu abro. Carrasco! Pra deitar com seu Ari, o padeiro, foi diferente. Mas a culpa é da dona Cleonice, a vizinha. Eu me despedia do Jorjão, hoje de manhã, e ela, da sua janela, puxou conversa. Vai, Elvira, aproveita a folga que o Jorjão te dá. Que é isso, dona Cleonice? Quando casei fiz juramento de fidelidade. Eu também, bobinha, mas juramento não dá arrepio em ninguém. É, agora eu concordo com ela, arrepio como este que o seu Ari provoca, juramento não dá mesmo. Mas eu continuei, Credo cruz, dona Cleonice, jurei, está jurado. E se Deus vê o que eu ando fazendo? E ela, Vê nada, minha filha, nem Deus, nem o Jorjão, nem eu que sou tua vizinha. Aproveite a mocidade e repare no seu Ari, da padaria, que anda de olho em você. A culpa foi de dona Cleonice ao dizer que Deus não via, mas eu vejo por cima do ombro do seu Ari uma mancha estranha ali no alto da parede em frente. Juro que tem um rosto naquela mancha. Será que é Deus? Será que ele vai contar para o padre Joaquim? E como eu vou comungar na missa de domingo? Minha filha, conte seus pecados. Tem pecado não, padre Joaquim. E os pensamentos, minha filha? Ai Jesus! o que eu digo para o padre Joaquim se eu não posso contar sobre o todinho do seu Ari? Ah, padre, eu vi na revista o retrato de uma artista de cinema e tive vontade de ser igual a ela. Inveja, minha filha, pecado capital, reze dez ave-marias. Eu rezo, ave-maria, padre-nosso, ave-maria... Rezo até para espantar o fantasma que deve estar aí nessa mancha. Mas qual deles, o fantasma do marido, da mulher ou do amante? Ah, seu Ari, mexe assim, mexe como a massa do pão. Se não tivesse ido comprar o pãozinho que sai às seis horas da tarde nada disso tinha acontecido. Depois do que a dona Cleonice contou, Repare no seu Ari da padaria que anda de olho em você, com que cara eu ia aparecer pra comprar pão? Com batom, os cabelos presos em um coque, por que o Jorjão vive dizendo que a minha nuca é muito sensual, e o vestido novo, estampadinho, feito com o corte que o Jorjão trouxe de Fortaleza. Seu Ari estava lá, sovando a massa. Fiquei ali estatelada, reparando no jeito que ele amassava a mistura, fazendo uma bola, jogando contra a mesa, as mãos agarrando a massa com força. Senti um arrepio na espinha, como se meus quadris fossem aquela bola de farinha de trigo. Boa tarde, dona Elvira, já já sai um pão quentinho. O pão demorou pra assar, mas não desisti. Acho que estava com desejo de comer pão, culpa da dona Cleonice. Fiquei por ali vendo os bolos de aniversário expostos na vitrine, o bolo do meu casamento tinha três andares e lá no cocoruto, o casalzinho de noivos rodeado por pombinhos brancos. Jurava que casamento era assim, tudo branquinho, uma paz, um todo-o-dia enfeitado com rosinhas de glacê e por dentro aquele recheio doce, de lamber os dedos. Mas agora eu sei que o bolo só dura os três primeiros dias. Os clientes do seu Ari saíram e eu fiquei ali, parada, olhando bolo, segurando o saco com os pães, dez, pra que tanto, se o Jorjão está viajando? Está escuro, dona Elvira, eu lhe acompanho até sua casa. Seu Ari desceu as portas de ferro, as moscas voejando por cima dos bolos confeitados, trancadas na vitrine da padaria, como eu estou trancada nesta casa mal-assombrada, seu Ari e a mancha na parede me acompanhando. A mancha que não é mancha de mofo ou de pintura desbotada, é a cara do Jorjão. Deus não me vê mas o Jorjão, sim. Ah, seu Ari, ah, seu Ari, o pãozinho já está quase no ponto. O suor de seu Ari pinga no meu pescoço como deve pingar na massa que ele prepara. Mas quando saímos da padaria ele estava cheiroso, sem sinal de cerveja, suor e alho, sem um grão sequer de farinha de trigo no bigode, me acompanhando pela rua, contando estórias da padaria, dos clientes, até que passamos em frente à casa mal assombrada. Ele parou no portão. Dona Elvira, a senhora conhece a estória desta casa? Não, seu Ari. Dona Cleonice começou a contar, mas eu fiquei com medo, esses assuntos me arrepiam toda. Ah, então é melhor eu me calar. Não, seu Ari, conte. Estou aqui há pouco tempo, seis meses, desde o casamento com o Jorjão, quero conhecer as histórias de Sobral. Felizardo, o Jorjão, ele disse e eu entendi o conselho da dona Cleonice. Sabe, dona Elvira, o caso foi o seguinte, o marido matou a mulher, o amante e a si mesmo. Caso de amor, de ciúmes, mas também de generosidade. O amante maltratava muito a mulher, batia, um carrasco. O marido, generoso, quis salvá-la, mesmo que ela não o amasse mais. Atirou no amante, ela se jogou na frente, quis morrer junto, generosa por sua vez, e assim se foram os três. Que estória, seu Ari... Mas como é possível mulher gostar de homem que espanca? Ah, dona Elvira, são os mistérios da alma humana. Dizem que lá no Rio de Janeiro vive um filósofo que estudou o assunto e concluiu que mulher gosta mesmo de apanhar, com todo o respeito, dona Elvira. Fiquei pensando que a sova só valia à pena se fosse pra ganhar uns beijinhos depois, o marido ou o amante, sei lá, qualquer um, todo arrependido, desculpe, mulherzinha, e beijando beijando os machucados. Será que estava faltando isso no meu casamento com o Jorjão? A voz do seu Ari me trouxe de volta. É, dizem que os fantasmas dos três andam pela casa, aparecem de quando em quando por trás dos vidros das janelas, alguns ouvem os gemidos, os gritos da mulher. O fato é que mais ninguém voltou a morar aqui. Senti um arrepio quando ouvi a estória dessa mulher e me lembrei de dona Cleonice - juramento não dá arrepio em ninguém - e me deu vontade de entrar na casa, arrepiar, arrepiar, quem sabe ver os fantasmas dos três. Saber daquela mulher, de seu fantasma, porque o amante era melhor do que o marido, tão melhor que até valia morrer. Acabei no chão, arrepiada, arrepiada e o fantasma do Jorjão na mancha da parede, o fantasma do Jorjão saindo de dentro da mancha, atirando no seu Ari, a bala entrando pelas suas costas e chegando até o fundo do meu coração. Será que o Jorjão iria se matar também? Ah, seu Ari... ah, Jorjão... ah...

Wednesday, November 14, 2007


Versos



Situação um:

........Na biblioteca, enquanto nada faço, uma criança irrompe, trigueira, à frente de sua mãe e corre à estante dos gibis. A criança, como entendo, deve ter uns 14 ou quinze anos. Criança, sem embargo. A mãe escolhe os livros enquanto a criança, um menino, folheia os gibis da dentuça Mônica e do Caipira Chico Bento, estes gibis cujas últimas tiras, de três quadrinhos apenas, eu adoro ler. A criança não lê nenhuma historinha completa, antecipa a história numa criação mais própria do que alheia apenas incitada pelas expressões bem desenhadas dos quadrinhos e um ou dois diálogos dos seus qualificados roteiristas. Parece muito divertir-se. Nisto a mãe vinha e ia, às estantes de literatura de língua inglesa, numa feição seriíssima e de cuja face pendia, na ponta do nariz, sem fazer filtro aos olhos, os óculos de grau, conferindo-lhe um ar tão de sapiência quanto de arrogância. A mãe escolheu os livros, eram dois, e veio a mim:
- Vou levar estes dois – virou-se para a criança dos gibis e disse – e tu, ô guri, não tem mais idade de ler gibi, tem é que pegar coisa boa, vai ler literatura, vai estimular este teu célebro, depois não entende nada de nada da vida, como teu pai; ler desenvolve. – Disse ela, desenvolta.
Com a reprimenda o guri veio também, gibis em mãos e dizendo:
- Quero levar, mãe. – A mãe fez cara de desaprovação, contrariada empurra com os olhos os dois gibis do guri.
- Leva isso também, disse.
Junto então aos dois livros da mãe, A Bruxa de Porto Belo – do celebrado autor Paulo Coelho -, e Preces Atendidas – da consagrada escritora estadunidense Daniele Steel-, eu passo para o sistema os dois gibis, da Mônica e do Chico Bento.

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Situação dois:

.........Numa biblioteca, enquanto nada faz, um atendente percebe entrar um filho e sua mãe, sendo que a criança entra na frente, agitada, e se põe a folhear os gibis duma conhecia personagem dos quadrinhos, dentuça e gordinha que era. Sua mãe está às estantes de literatura adulta, compenetrada no garimpo de bons títulos, julga. O atendente, de má vontade, incomoda-se de ver mais uma mulher pegar os livros de Daniele Steel, que nunca param na estante, e Paulo Coelho, que nunca param na biblioteca devido aos furtos, e que ele constata ser uma senhora constituinte daquela parcela de velhas pretensiosas responsável pelo alta tiragem dos livros de auto-ajuda, best-sellers estrangeiros e, por conseguinte, motivo direto da aquisição, por parte da diretoria da biblioteca, de mais de cento e cinqüenta livros que ele não considera literatura e que não pensa em ler jamais – espíritas, inclusive. Vê a mãe repreendendo o filho pela leitura fútil de gibis e pensa nela como a um carroceiro ignorante montado num cavalo fraco a dar chicotadas ferozes no animal débil que, à medida dos açoites, diminui o quanto pode seu ritmo de trabalho, desnutrido que está. Inclusive a criança é bem magrinha, repara num acesso de humor negro. Cento e cinqüenta livros que tomaram o lugar da moderna literatura em língua portuguesa, da poesia simbolista, da grandiosa literatura latino-americana capitaneada por Borges, Cortázar e Garcia Márquez, dos clássicos Russos, do romance psicológico, da prosa frenética de Ítalo Calvino, todos títulos que bem poderiam ter vindo à biblioteca caso constatassem uma tiragem ou pedições destes.


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Situação três:

........Um guri entra numa biblioteca correndo, logo atrás vem sua mãe e direto encaminha-se para a seção dos gibis. A mãe vai às estantes mais sérias, ler literatura de gente grande enquanto constata, insatisfeita, o filho duns quinze anos lendo a Turma da Mônica. Lavoura, a mãe, nos livros de Daniele Steel e Paulo Coelho, decide quais, passa no atendente que até então observara mau-humorado a mãe nas estantes de literatura estadunidense e seu filho bagunçando os gibis. Os três se deparam entre si, a mãe censurando o filho e o atendente censurando o mãe. Tudo veladamente. Veladamente também alguém poderia ter observado que a mãe apenas lê Daniele Steel e Paulo Coelho, exclusive uns poucos romances espíritas; que o atendente embravecia pela falta da boa literatura que até então ele só conhecera pelos jornais e periódicos que te podem converter num pseudoversado em potencial – salvo dois ou três livros comentados que ele lera um dia; que o guri não tinha preocupações existências, artísticas e sequer nutricionais.
A dama da Companhia

Quando voltava da Casa cansada e casada via que estava, ela tinha vontade de trabalhar de novo.

................O BEIJO, GUSTAVE KLIMT - Kunsthistorisches Museum, Viena


Os infiéis


....Todas as vezes em que se viam, eles se beijavam doidamente. Passavam anos sem se ver. Qualquer dia então algum ligava e o outro assentia. Encontravam-se para o amor, e o era. Os anos seguintes às vezes em que se encontravam não se pensava, um no outro e o outro no um, e não se notalgiava àqueles momentos. Que de certa forma era o amor descoberto, e mantinham segredo, até de si próprios, esquecidos que ficavam todo o tempo.
... Neste hiato da alegria que eles transavam com outros, alimentavam uma casa e burocratizavam a vida, fingindo que eram tristes.


Avaria

.....Por um curto-circuito elétrico imcompreensível o eletrocutado foi o funcionário que baixou a alavanca e não o criminososo que se encontrava sentado na cadeira. Como não se conseguiu resolver a avaria, nas vezes seguintes o funcionário do governo sentava-se na cadeira elétrica e era o criminoso que ficava encarregue de baixar a alavanca mortal.

Thursday, November 08, 2007

Hospitalagem

O hospital de pessoas de boa saúde
Anuncia que não tratará de doentes -
O enfermo que tenha uma verdade ruim!
Apenas é saudável aquele que mente
O hospital dispõe-se a não recuperar ninguém
È o que diz o cartaz do hospital
Elas aspiram apenas a doençações
Os enfermos que protejam seus maus
Cuidar de doentes dá menos trabalho
O tempo diz isso, em versos tatuados
Os bons na vida são males na morte
São as plantas machucadas de orvalho
O que o livro de pacientes vai dizer:
É que são bons os internos ternos
Se os que usam ternos por que são ricos,
Saudáveis pra um céu, ruins pra um inferno
Terá escadas dormentes, a não se usar
Os sãos subirão todos dias de elevador
De escada vão-se únicos os funcionários
Doentes dum assoalho em todo lugar
Os malsãos no espaço farão papel de vírus
Donde se deve ter um lugar hoje em dia
Embora um vírus que morra na palma da mão
E não precise botar mais visões de óculos
Quem é bom será ruim, não é lei nem é norma
O ruim pra ser bom é que não tem mais como
Quem é bom será ruim, não é lei, é assim
O Hospital diz, dum lado bons d’outro os sem forma
As injeções do hospital não são descartáveis
São descartáveis umas almas e uns cabelos
Do quadro de funcionários, o quadro negro
Cabelos no estojo e os enfermos no ralo
Mas é que inventaram hospital pra doente
Diz nos anais de toda história dos bons homens
Um outro mundo a gente pode chamar de hospital
Onde os bons vivem bem e o os mal hospitalmente
Aqui não se confundem hospital e hospício
Um é para os loucos e o outro é para os sãos
Um cura e o outro piora, um bem cobra um corrobora
Um é pra lazer o outro pros loucos de ofício
Há um mundo inóspito, em que pesem as guerras
E outro fora de hora, pouco, erário e impúblico
Doutores professores de hospitais pudicos
Medicam lecionam morrem no hospital-Terra